Casa Verde Amarela e regularização fundiária

Com o intento de minimizar questões envolvendo problemas habitacionais no Brasil, o Governo Federal criou em 2009 o Minha Casa Minha Vida, hoje chamado Casa Verde Amarela. 

O programa oferecia financiamento de casas e apartamentos tanto em área urbana como rural e negociações envolvendo Estados, DF, Municípios e entidades sem fins lucrativos.

O programa abraçava famílias com renda familiar bruta de até R$9mil reais mensais e não tinha outra casa em seu nome.

Os subsídios e condições do financiamento variavam a depender da faixa de renda familiar. Uma das principais diferenças entre o Programa Casa Verde Amarela e o Programa Minha Casa Minha Vida é o fim da Faixa 1, destinada aos com renda familiar mensal que era de R$1.800,00 reais, no programa atual, R$2.000,00.

No PMCMV, as construtoras e entidades interessadas construíam casas e estas eram repassadas às famílias beneficiárias subsidiadas consideravelmente pelo Governo Federal, por meio de recursos do Orçamento Público.

Subsídio este que poderia chegar a 95% (noventa e cinco por cento), 120 prestações mensais (10 anos) e as prestações variavam de R$80,00 a R$270,00, a partir da análise da capacidade financeira da família.

Os apartamentos e casas do PMCMV da Faixa 1 eram instrumentos de reassentamentos, ou faziam parte de programas municipais e estaduais de acesso à moradia, respondendo a uma necessidade premente no Brasil.

Se tratava de uma estratégia para reassentar comunidades removidas ou marginalizados sociais.

A faixa 1 foi também utilizada por Entidades para construção para sua demanda selecionada, seja em projetos por autogestão ou ainda por subcontratação de construtoras.

No Programa Casa Verde e Amarela, para esta faixa de renda não há mais a construção de casas e apartamentos, apenas para regularização fundiária e melhorias habitacionais, conforme os dispositivos legais:

• Resolução n° 225, de 17 de dezembro de 2020.

• Instrução Normativa n° 2, de 21 de janeiro de 2021.

• Anexo da IN n° 2, manual de instruções do Programa de Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional.

Regularização Fundiária, em termos gerais, é o processo que inclui medidas jurídicas, cartorárias, urbanísticas, ambientais e sociais, com a finalidade de integrar assentamentos irregulares ao contexto legal das cidades.

Trata-se de um “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

A regularização fundiária converte uma situação de evidente precariedade do exercício da cidadania na melhor expressão de dignidade do brasileiro.

No Programa Casa Verde e Amarela, a regularização fundiária assegura a emissão de título garantindo direito real sobre o imóvel às famílias com renda mensal de até R$5 mil reais e para melhorias habitacionais serão realizadas às famílias de até R$2mil reais mensais.

Famílias estas que são selecionadas pelo poder público local de acordo com as características socioeconômicas e condições do imóvel. Assim dispõe a norma.

A melhoria habitacional consiste na reforma, ampliação do imóvel tais como: construção de telhado, quarto extra, banheiro, instalações elétricas ou hidráulicas, piso e acabamentos em geral.

Poderão ser instalados equipamentos para aquecimento solar ou eficiência energética. A previsão quanto às melhorias habitacionais visa o não prejuízo quanto aos investimentos já realizados pelas famílias.

Para ter acesso ao subsídio envolvendo a Regularização fundiária ou melhorias habitacionais, é necessário estar no CadÚnico do Governo Federal, não possuir outros imóveis no território nacional e ser maior de 18 anos ou emancipado.

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O investimento em regularização fundiária e melhoria habitacional é muito menor (de R$ 500,00 a R$ 20 mil) se comparado aos recursos necessários à construção de uma unidade habitacional (média de R$ 80 mil).

Programas de regularização fundiária são implementados desde os anos 1990 por vários governos estaduais e municipais, incluindo não apenas a dimensão fundiária, mas também a consolidação física dos bairros.

Em 2004, o Governo Federal instituiu o “Programa Papel Passado”, apelido do Programa Nacional de Regularização Fundiária (PNRF).

O programa visava a “articulação institucional visando à remoção de obstáculos jurídicos e legais à regularização fundiária […] e apoio financeiro e técnico aos estados, Distrito Federal e municípios para estruturação de programas e ações de regularização fundiária urbana”.

Com uma meta inicial de um milhão de moradias regularizadas, o programa apoiou municípios, Estados e organizações da sociedade civil a promover ações de regularização.

Infelizmente, a operacionalização de programas que envolvem a regularização fundiária envolve tantos interesses e “lobbies” que acabam não cumprindo com seu papel social, urbanístico e econômico.

Esses projetos viram um “cabo de guerra”, teste de força e resistência dos interessados e evolvidos no processo.

A Lei 13.465/2017, aprovada no Governo Temer, prevê a possibilidade de regularização de imóveis em espaços sem condições de habitabilidade, sem a infraestrutura urbana que os Estados e Municípios deveriam fornecer.

Sendo necessário para a viabilidade, a aquiescência do Município e a disposição dos interessados (moradores) em arcar com os custos.

Sendo que em vários casos e circunstâncias, há a previsão de garantia constitucional quanto à isenção desses custos aos cidadãos.

Em se tratando de REUB-S – Regularização fundiária de Interesse Social, os moradores poderão promover a regularização com seus próprios recursos, custos do projeto e documentação através de financiamento através do FDS – Fundo de Desenvolvimento Social.

Ainda em 2020, a previsão é da liberação de R$500milhões em recursos.

A previsão é atender 130 mil famílias nessas modalidades de regularização fundiária e melhoria habitacional, declarou o MDR – Ministério de Desenvolvimento Regional.

E ainda dispõe que a média por contrato é de R$3.800,00, correspondendo a intervenções de pequeno porte, sem envolver problemas de precariedade estrutural dos imóveis e assentamentos.

No Minha Casa Minha Vida eram as construtoras quem “controlavam” o mercado, pois ele se movia na dependência de sua oferta.

Na prática, não há a demanda fornecida pelo governo, Município e Estados.

E muito menos um controle de qualidade nos processos, documental, regulatória.

Acontecia corriqueiramente de serem ofertados imóveis sem qualidade construtiva ou compromisso urbanístico, ambiental e social.

Até então, realidade semelhante se desenha na Casa Verde e Amarela no que tange à regularização fundiária.

Empresas privadas oferecem seus serviços e projetos para áreas que elas escolheram, que são interessantes a elas.

Nesse ínterim, outra questão importante é que uma regularização envolve uma gama de moradias e situações. E estamos falando de imóveis e áreas não legalizadas.

Assim sendo, trata-se de uma relação contratual entre particulares.

E circunstância em que há o risco de inadimplência, que precisa ser contabilizada, mas que não pode impedir a regularização de toda área compreendida no caso concreto.

Ou seja, quem arca com esse risco, não é o poder público e sim o agente privado.

O Programa Casa Verde e Amarela adianta recursos para essas empresas que procedem com a regularização fundiária envolvendo mediação (dirimindo os dissídios), projetos e aprovação dos loteamentos (sem infraestrutura).

Logo, essencial se faz soluções securitárias que abarquem essa inadimplência, o que eleva o custo do processo e pode inviabilizá-lo em algumas comunidades.

Essa realidade favoreceu o desenvolvimento do “Home Equity” (empréstimos com imóveis em garantia), possibilitando juros mais baixos, ampliando o alcance do mercado de crédito e viabilizando essas regularizações.

Prática que se iniciou nos anos 90 em vários países, pelo Banco Mundial, por exemplo.

O fato é que todos envolvidos precisam estar imbuídos em meios para que a informalidade, as irregularidades documentais sejam de fato combatidas.

A política precisa ser de união de forças e não de jogo de interesses ou empurra-empurra.

A política de inclusão social e garantia constitucional de moradia digna precisa ir além do papel, dos palanques e dos gabinetes.

O lobby precisa ser de modo a desenvolver e transformar o mercado imobiliário qualitativamente.

Destravar, desbloquear a informalidade da terra está como uma barreira quase intransponível que impede a expansão do ecossistema imobiliário econômico financeiro saudável nas cidades.

Haja vista que a incorporação é possível se a documentação estiver regular, a área estiver devidamente registrada. Em outra ponta está a situação do sistema cartorial.

Observa-se a insegurança e um desequilíbrio tecnológico-estrutural entre os cartórios pelo Brasil.

Enquanto em umas serventias através da tecnologia de blockchain (tecnologia que possibilitou a existência das criptomoedas, como os bitcoins), lavrar atos online, com segurança, trazendo transparência, possibilitando a integração nacional dos tabelionatos de notas, bem como celeridade e otimização dos processos, muitos cartórios nem informatizados estão.

Ainda operam manualmente, sem condições mínimas estruturais. Lembrando que a popularização do Home Equity só se viabiliza pelo e-notariado, pela tecnologia do blockchain.

Na prática, vemos tabelionatos de notas lavrando atos digitalmente e cartórios de registro que só aceitam a documentação física ou burocratiza a finalização do ato, com uma lista de exigências, contrariando a oficialidade dos atos notariais e fé pública dos notários.

Há um contrassenso, um descompasso entre as instituições, órgãos e entidades.

Além disso, embora pelo Brasil já haja em torno de 2 mil serventias operando o sistema, há cartórios pelo Brasil que nem informatizados estão.

Ainda operam manualmente, sem condições mínimas estruturais.

Sem falar na quantidade de cartórios com titulares sem aprovação em concurso conforme previsão legal, o que pode implicar na qualidade do trabalho e responsabilidade na execução do mesmo.

Assim, a regularização fundiária proposta pelo Programa Casa Verde e Amarela, perde sua identidade quando não confere segurança de posse, dá direito à propriedade, possibilita a garantia constitucional do direito à moradia digna aos cidadãos.

Endividar cidadãos ou facilitar para que classes populares tomem crédito, visando o favorecimento de bancos, não seria a motivação alinhada ao princípio originário da regularização fundiária. Certo?

Poliana Ribeiro é CEO da Inteligência Cartorial. Siga ela no Instagram pelo @polianaribeiros.

Poliana Ribeiro

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